Autor: Fábio de Cristo, psicólogo (CRP-17/1296), doutor em psicologia e pesquisador colaborador na Universidade de Brasília, onde desenvolve pós-doutorado sobre o comportamento no trânsito. Administrador do Portal de Psicologia do Trânsito (www.portalpsitran.com.br) e coordenador da Rede Latino-Americana de Psicologia do Trânsito. Autor do livro "Psicologia e trânsito: Reflexões para pais, educadores e (futuros) condutores". * * *
![]() A nossa capacidade de julgar e decidir tem um papel fundamental na nossa vida, pois, assim, definimos conscientemente como, quando e onde fazer as coisas. É por isso que podemos realizar ou não alguma ação dependendo do quanto estamos dispostos a realizá-la. Nossos comportamentos podem ser explicados, portanto, pela intenção que possuímos em relação a alguém ou a alguma coisa específica. Se eu digo, por exemplo, que vou levar o cachorro para passear na rua, existe grande probabilidade de isso acontecer, afinal, tenho cachorro, coleira e gasolina no carro (ver foto ao lado).
Porém, a intenção pode explicar somente uma parcela dos
nossos comportamentos. Em muitas situações, existe uma distância grande entre nossa vontade de fazer (intenção) e o
que fazemos de fato (comportamento). Isto quer dizer que nossas intenções
nem sempre guiarão o comportamento. Por exemplo, a motivação de ir a pé para o
trabalho, em vez de ir de motocicleta, nem sempre se concretizará na prática,
mesmo que o trabalho seja pertinho de casa e que não esteja chovendo. Outro
exemplo é quando planejamos usar o cinto de segurança no banco de trás, que nem
sempre se realizará, mesmo que ele esteja acessível e que saibamos que não
usá-lo é uma infração de trânsito. Em algumas situações, portanto, parece haver algo em nós capaz de nos manter presos a
determinados padrões de conduta; algo que
faz nossos comportamentos permanecerem fixos, repetidos ao longo do tempo. Além
disso, esse algo parece impedir
qualquer mudança concreta, apesar das nossas melhores intenções de mudar. Quem
nunca disse ou ouviu as expressões: “não tive a intenção”, “foi sem querer” ou “ops!
fiz de novo!”, em tom de arrependimento por não conseguir parar de repetir um
comportamento? Mas que algo é esse? O hábito
pode ser uma resposta. Como assim? Para ajudar você, amigo leitor, a entender o que é hábito e como ele está presente em nossa vida, especialmente nas situações do trânsito, acompanhe o depoimento do jovem Abílio...
“– E agora, o que fazer?!”, disse a mim
mesmo com uma expressão de angústia e preocupação na voz, após constatar que o
meu carro havia enguiçado. Não acreditava no que estava acontecendo. Para mim,
após anos dirigindo constantemente, tornara-se natural não pensar na maneira de
deslocar-me para a universidade ou qualquer lugar; até aquele momento. Resolvi,
então, tentar consertar: empurrei-o para lá e para cá pela garagem, troquei a
gasolina, mexi algumas conexões da bateria e... nada. Fiz tudo o que podia
dentro das minhas possibilidades de tempo e conhecimento. Após quase 40 minutos
de esforço, já cansado, suado e atrasado, concluí que não conseguiria ir à
parte alguma. Paralisei e disse para comigo: “– Meu Deus, perdi a reunião!”.
Todas as vezes, quando chegava a hora de ir à universidade, eu simplesmente
parecia cumprir o mesmo roteiro, como se fosse algo automático: pegava a
mochila, a chave e ia até a garagem. Chegando lá, eu entrava no carro, dava a
partida e acelerava... Eu já nem pensava mais em como ir aos lugares. Naquele
momento, eu estava me sentindo praticamente sem pernas. Conscientizei-me que
estava tão conectado ao automóvel que não percebi alternativas, como, por
exemplo, pegar um ônibus – a estação fica a menos de dez minutos da minha casa.
Subitamente, tudo começou a fazer sentido e o acontecimento me pareceu
revelador: a opção por usar sempre o carro, talvez pela facilidade, rapidez e
conforto, sem eu me dar conta, há tempos havia se tornado um hábito.
A história de Abílio se assemelha ao que
acontece com muitas pessoas no dia a dia, não é verdade? Ela ilustra como nos
comportamos quando desenvolvemos um hábito, neste caso, o hábito de dirigir
automóvel. Assim, o hábito é um comportamento que, por ter sido repetido muitas
vezes ao longo do tempo, se tornou “automático”. Não no sentido tecnológico,
como se fôssemos robôs. Na psicologia, um comportamento é automático quando é
realizado sem consciência completa, controle total ou mesmo sem intenção de
realizá-lo. É importante ressaltar que o hábito, em
si, não é nem bom, nem ruim por natureza, mas podemos desenvolver hábitos
saudáveis ou não saudáveis, seguros ou inseguros. Desenvolver o hábito de usar
o cinto de segurança é algo bom, desejável. O hábito de andar em alta
velocidade é algo que não deve ser estimulado. Em tempos de poluição e
congestionamento, andar a pé ou de bicicleta pode ser um hábito a ser
estimulado, e o de usar o automóvel tem sido cada vez mais desestimulado. Identificar e analisar nossos hábitos no
trânsito pode ser uma estratégia importante, tanto para as autoridades quanto
para nós, se quisermos mudar nossos comportamentos inseguros no trânsito ou se
quisermos construir um padrão mais saudável de deslocamento. Darmo-nos conta
dos nossos hábitos, especialmente aqueles que podem trazer prejuízos para nossa
saúde, segurança, plenitude é um primeiro passo em direção à mudança de
comportamento desejada.
Para saber mais: 1. Aarts, H., Verplanken, B., & van Knippenberg, A. (1998). Predicting Behavior from the actions in the past: Repeated decision making or a matter of habit? Journal of Applied Social Psychology, 28(15), 1355-1374. 2. Bargh, J. (1994). The four horsemen of automaticity: Awareness, intention, efficiency, and control in social cognition. In R. S. Wyer, & T. K. Srull (Eds.), Handbook of social cognition (Vol. 1, pp. 1-40). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum. 3. Ronis, D. L., Yates, J. F., & Kirscht, J. P. (1989). Attitudes, decisions, and habits as determinants of repeated behavior. In A. R. Pratkanis, S. J. Breckler, & A. G. Greenwald (Eds.), Attitude structure and function (pp. 213-239). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
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